Road Trip: uma aventura perdidos e sem acomodação em uma zona rural do País Basco
por Juan Salomão
Desde a nossa mudança para Portugal, eu e Dudu vínhamos planejando uma viagem mais longa no verão. Como sempre nos acontece, acabamos deixando para resolver as coisas em cima da hora, e claro, as passagens de avião chegavam a preços nunca antes vistos na Ryanair. Porém, nem só de avião viaja o homem. No final de agosto, nosso amigo Jo viria nos visitar. Assim, juntaríamos o útil ao agradável para uma aventura de veraneio. Assim pensamos, assim fizemos. Alugamos um carro e decidimos sair desde Braga até Bordeaux, na França, uma jornada de quase 1000km.
A ideia de viagem de praia, céu azul e sol não rolou muito. Não se pode confiar no verão europeu. Passamos por dias nublados, pequenas chuvas, vento e temperaturas que não ultrapassavam os 16ºC. Uma das nossas paradas planejadas para a volta era a cidade de Bilbao, capital do País Basco, uma região do norte da Espanha e extremo sudoeste da França, que luta ferrenhamente por sua independência. Partindo de Bordeaux, seguimos para San Sebastián, uma cidade balneário, que também integra o País Basco e de lá iríamos para Bilbao. Tudo isso no campo das ideias, pois não tínhamos hotel reservado e só deixamos para procurar isso no final do dia. E é aí que começa a nossa aventura.
Estávamos em San Sebastián curtindo um dia nublado e de chuva, sentindo frio com as roupas de verão e pensamos: “Podemos dormir aqui”. Poder, poderíamos. Mas San Sebastián é um dos balneários mais chiques e disputados da Espanha. Ou seja, diárias astronômicas até mesmo nos hostels mais tensos. Sem problemas, podemos dormir em Bilbao. Estávamos apenas a alguns quilômetros, então não haveria grandes mudanças. Airbnb, Booking, Trivago, Hostelworld…foi uma busca sem fim. Quando a diária era pagável, não havia disponibilidade e, ao contrário, nem preciso explicar muito. Eis então que o Dudu encontrou um “Alojamento Rural” a um preço bacana, que parecia ser super bonito e estava a 50km de Bilbao. Imaginamos que se tratava de algo parecido com os nossos hotéis fazendas, ou seja, uma experiência bacana, já que a praia não estava rolando.
Pelas fotos, uma bela casa de pedra e madeira no campo. Fizemos a reserva e fomos. Paramos para abastecer e compramos uns vinhos e uma massa, só por precaução. Mas com a certeza de que não usaríamos, afinal um hotel fazenda devia contar com uma bela comida. Colocamos o destino no Google Maps e fomos. Era entardecer, que por aqui no verão é por volta das 21h30-22h. A estrada estava linda e vazia. Seguimos pelas rodovias por uma hora, até que o GPS passou a indicar entradas e mais entradas em estradas cada vez menores. As casas começaram a desaparecer, assim como a luz. Começamos a nos questionar no destino, mas confiamos no Maps. A medida que avançávamos e a estrada se tornava mais escura, passamos a sentir um belo do chamado “receio”. “Onde estávamos indo?”, “Que lugar era esse?”. As gargalhadas de nervoso começaram a aumentar no carro. Quando um veado atravessou a pista chegamos a conclusão de que estávamos, de fato, no meio do nada. O GPS dizia que já estávamos próximos, no entanto, nenhum sinal de vida. Passávamos por umas casas e pequenas aldeias que pareciam não estar habitadas. Neste momento percebemos que estávamos numa área de pequenas vilinhas e pelas placas a nossa era a próxima. Barrón era o nome de onde ficava nosso alojamento, uma pequena vila de praticamente cinco casas.
“Você chegou ao seu destino”. A casa era mesmo bonita, de pedra e madeira. Na porta, uma senhorinha de muitos anos nos recebeu. O nosso portunhol e o castellano dela não batiam muito. Pelo jeito ela não tinha recebido a nossa reserva no Booking. O que não era de espantar, pois os celulares não pegavam, 3G e wi-fi parecem nunca ter passado por ali. Como ela não havia recebido o pedido, não havia quarto para nós três. Apenas uma acomodação compartilhada. O quarto era grande, 10 camas e haviam dois senhores que estavam trabalhando no campo “no verão” e estavam dormindo lá.
Não havia comida ou qualquer café por perto. Esta hora agradecemos pela massa e o vinho comprado. Sentamos na varanda da casa, a temperatura não passava dos 12ºC e o céu revelava todas as constelações do Hemisfério Norte. Durante as primeiras duas horas quase não nos falamos. Estávamos espantados com tamanha simplicidade, beleza e aquela sensação de estarmos fora da zona de conforto. Já de madrugada o filho da senhorinha chegou e conversou conosco. Nesta hora, depois do vinho, o portunhol passou para o nível avançado e a conversa fluiu. Futebol, Rio de Janeiro e todo aquela história que os gringos adoram ouvir. Rimos, papeamos e falamos bastantes. Mas estávamos os três em um estado de graça com aquela experiência. A noite foi tranquila, apesar dos roncos dos dois senhores, provavelmente exaustos dos dias no campo. Passeamos pela vila e vimos que realmente não havia nada. Descobrimos que esta região é bem turística, ecoturística, mas nada muito desenvolvido. A senhorinha, simpática desde o início e consciente da nossa situação perdida, nos presenteou com um saco com uns dois quilos de nozes. Voltamos pelo mesmo caminho, porém agora de dia, enxergando melhor as vilas e a beleza dos campos. Seguimos viagem com destino a León, conversando, mas ao mesmo tempo em silêncio, extremamente tocados pela noite que havíamos passado, no meio do nada, em pleno País Basco.