Guto Guerra - Música na Mochila
Entrevista

Música na Mochila: Guto Guerra fala sobre seu programa no Canal Bis

Guto Guerra é um daqueles caras de quem você com certeza vai sentir inveja devido ao trabalho que faz. Produtor musical apaixonado pela sonoridade das diferentes culturas do nosso planeta, ele rodou o mundo atrás de novas experiências sonoras. Fez isso através do programa Música na Mochila, exibido em três temporadas no Canal Bis. A série de TV produzida pela Gomus Música, empresa de Guto, em parceria com a Globostat, viajou por 20 países, onde Guto tocou com mais de 200 artistas de diferentes vertentes musicais. Estão em seu passaporte destinos como Turquia, Romênia, Austrália, África do Sul, México, Jamaica, Porto Rico, Japão, Suécia, Rússia, Índia, Argentina, República Dominicana, Cuba, Jordânia, França, Coréia do Sul, Indonésia, Alemanha e Suécia.

Antes de saber um pouco sobre o que ele tem a contar, vai aí um aperitivo do Música na Mochila que, para mim, é um dos melhores programas da TV brasileira.

 

Para contextualizar, de onde surgiu essa ideia de viajar o mundo através da música?

Na verdade isso de viajar para conhecer música de outros lugares é uma coisa que eu sempre fiz desde pequeno. Desde, sei lá, meus 17 ou 18 anos, eu sempre tive essa cultura de sair, botar a mochila nas costas e ver o que tinha no mundo. Sempre saí fazendo mochilão e fiz isso para muitos lugares. Já com 17 ou 18 anos, por exemplo, eu fui para o México e passei dois meses lá. E eu sempre fui músico e sempre tentei explorar os lugares a partir da música. Por exemplo, eu consegui o meu primeiro charango (pequeno instrumento de cordas Sul-americano) quando tinha uns 20 e poucos anos e o troquei por um cavaquinho em uma praça em Arequipa, uma cidade peruana perto da fronteira com a Bolívia. Eu estava lá com um cavaquinho, tinha um cara tocando um charango, e a gente simplesmente trocou os instrumentos. Eu trouxe o charango para casa e ele ficou com o meu cavaquinho. Então eu sempre fiz isso e o que aconteceu de ir para a TV foi, na verdade, só filmar uma coisa que já acontecia na minha vida. A ideia foi meio assim: “poxa, se eu já tenho essa experiência, vamos registrar”. E aí do registro nasceu o Música na Mochila.

O que determinou a escolha do roteiro nessas três temporadas do Música na Mochila? Como funciona esse processo?

Na verdade o Música na Mochila é produzido pela Gomus, onde sou o responsável geral pelo programa e somos 12 pessoas envolvidas. Isso em uma co-produção com a Globosat, o Canal Bis e o Multishow. Só que eles dão total liberdade para a gente escolher o roteiro que a gente quiser seguir. Então o que fazemos é dividir o mundo em grandes regiões musicais. É uma divisão quase geográfica, mas nem tanto. Tem mais a ver com cultura e música. Por exemplo, o Oriente Médio é uma região musical que tem traços similares. Apesar de cada país ter as suas especificidades, você consegue perceber instrumentos, sons, escalas musicais, timbres, jeitos de tocar e ritmos que podem ter alguma semelhança. Aí em cada temporada a gente busca fazer um recorrido grandão de todas essas escolas musicais. Então sempre tem que ter um representante da Ásia, outro da América Latina, outro da Europa… E vamos tentando representar um pouco das várias escolas musicais do mundo. E a gente mais ou menos fez isso nas três temporadas: visitamos 20 países nos cinco continentes.

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Que país foi o mais diferente culturalmente do Brasil? E o mais semelhante? Por quê?

Essa pergunta é muito difícil por que eu acredito que todos os países do mundo tem a sua verdade e a sua persona musical. Por exemplo, eu sou um cara que já visitei mais de 50 países no mundo, acho que 53 ou 54, tenho que fazer as contas de novo. E no Música na Mochila eu gravei em alguns países, acho que uns dez ou doze, que eu já tinha ido. E a experiência que eu tive gravando o programa foi totalmente diferente da experiência anterior que eu tinha como mochileiro sem ter uma câmera ao lado. Então a riqueza dos países é tão grande, tem tanta coisa para se explorar, que é muito dificil dizer algo do tipo “esse daqui é igual ao outro”. E eu acho que é aí que está a beleza da descoberta do viajante.

É perceptível que parte do Música na Mochila acontece sob improviso e muitas vezes com artistas que você encontra nas ruas. O que te instiga quando você está andando pelas cidades que visita? O que você procura?

Na preparação do Música na Mochila a gente busca duas coisas. Uma é mostrar o lado musical do mercado fonográfico do país, ou seja, do artista que grava, que faz show, que é famoso e que tem fãs. Enfim, do cara que é o grandão da história. E a outra é mostrar também o músico de rua, o músico da praça, o músico do metrô, o músico que toca no barzinho e no restaurantezinho. Ou seja, o cara que não é muito famoso, mas que você vê que tem uma verdade musical que é única e que vale a pena ser mostrada. Então a gente busca esses dois extremos no Música na Mochila. E aí, como a gente faz? Todo mundo que é muito famoso e que envolve gravadora, a gente faz um contato prévio e marca com a pessoa no dia tal a tantas horas. Então, por exemplo, você vai passar o dia no estúdio com o Jimmy Cliff. Aí a nossa equipe entra em contato com a equipe do Jimmy Cliff e quando a gente chegar na Jamaica já sabemos que no dia tal eu vou entrar no estúdio com ele e vou ter o dia para fazer música com ele, para entrevistar, para tocar junto, para fazer o que quiser. Isso é uma maneira. E a gente deixa também dias livres. Então em todo país que vamos, eu tenho na minha agenda dias livres. São dias que, e eu faço questão disso, eu pego a equipe e vamos para a rua com instinto de descoberta mesmo. Aí a gente vai ver um músico tocando um intrumento que não conhecíamos e perguntamos para ele onde esse instrumento é feito. Ele fala “Fulano de Tal quem faz em tal lugar”. Aí a gente já pega o telefone do cara e já fala “Tamo indo aí”. E acaba que nesse processo de curiosidade, meio livre, você encontra jóias e personagens incríveis.

Guto Guerra e Jimmy Cliff na Jamaica em gravação para o Música na Mochila

Guto Guerra e Jimmy Cliff na Jamaica em gravação para o Música na Mochila

 

Você certamente colecionou histórias para lá de interessantes com o Música na Mochila. Tem alguma especial que você poderia dividir com a gente?

Eu estou lembrando de uma história que me mostrou muito como você tem que saber respeitar a musicalidade do outro e não se colocar como o cara que sabe de tudo. A gente estava na Jordânia e ocorreu um episódio muito legal, porque a gente foi até o deserto de Wadi Rum, onde foi gravado um dos filmes do Indiana Jones. E aí tem um grupo lá, que se chama beduínos, e eu tive a experiência de dormir com eles e, enfim, de estar na tenda com esses caras. E aí tinha lá um instrumento que o cara tocava que se chama Rabab. E tinha um cara que era um senhor, um ancião que estava lá na tenda de noite, tudo escuro, luz de lampião e etc. Aí o cara tirou o rabab para tocar. Esse instrumento tem uma corda só, portanto, ele é monofônico e só se toca uma nota por vez. Então ele não é harmônico. Só que esse cara canta ao mesmo tempo em que ele toca. Então é um instrumento que é muito de uma pessoa só. E eu me lembro que eu tinha na mochila um tipo de pandeiro árabe, que se chama Tar. Aí eu peguei o pandeiro e quis tocar com o cara. E eu ficava tentando tocar com ele e ele olhando de cara feia pra mim, eu tocava mais um pouco e ele olhava de cara feia para mim. Aí no final ele parou e falou que aquele era um intrumento que não podia ser tocado em dupla. Ele era apenas para a pessoa que estava tocando. Ela tira o som dele e acompanha com a vocalização em improviso. Portanto não poderia duas pessoas tocarem juntas. Aí eu falei logo “OK” e fique na minha. Mas aí você logo percebe como você tem que respeitar as culturas e as particularidades musicais de cada um.

Guto Guerra na Jordânia em gravação para o Música na Mochila

Guto Guerra na Jordânia em gravação para o Música na Mochila. Ele viajou pelo deserto de Wadi Rum e tocou com beduínos.

 

Qual é a diferença entre conhecer um lugar como um turista comum e como um músico atrás de novas experiências sonoras?

Essa pergunta também é dificil. Até mesmo por que eu acho que eu nunca fui um turista comum, desses que pega uma excursão e vai ver a Torre Eiffel e depois pega outra excursão e vai para a Disneylândia. Eu acho que eu sempre fui muito mais do time dos viajantes. Daqueles que não se importa muito se está com muito ou pouco dinheiro no bolso, o lance é o espirito de saber que se tiver que pegar um busão, vai pegar um busão e vai conversar com o cara ao lado e entender e descobrir qual é a boa do lugar e onde tem que ir. Eu acho que isso tem um espírito, não tem a ver com budget. É uma coisa muito fluída e você pode fazer do jeito que você quiser, seja com muito ou pouco dinheiro. Mas, especificamente no Música na Mochila, poxa, para mim, como produtor musical, tive a oportunidade de realizar um dos sonhos da minha vida. Tive a oportunidade de aprender e crescer profissionalmente de uma maneira absurda, que nenhuma universidade de qualquer lugar no mundo poderia me dar. O Música na Mochila te dá um conhecimento que duvido que alguma universidade do mundo seja capaz. E fora que eu tive a oportunidade de tocar com meus ídolos. Eu fui para Cuba tocar com a Omara Portuondo, fui para Jamaica tocar com o Jimmy Cliff, fui para a Suécia tocar com a Tov Lo e fui para a Argentina tocar com o Gustavo Santaolalla. São super ícones da música, deuses da música e eu tive a oportunidade de estar com esses caras e dividir estúdio e palco com eles.

Guto Guerra e Omara Portuondo em Cuba em gravação para o Música na Mochila

Guto Guerra e Omara Portuondo em Cuba em gravação para o Música na Mochila

 

O que de mais importante você aprendeu com essa experiência?

Para mim o Música na Mochila, da forma como ele se desenhou, é um programa de troca de experiências. Eu falo muito assim: não é um programa sobre o Guto, produtor musical que sai pelo mundo. Não é isso. Também não é um programa do artista que o Guto encontrou e vai mostrar a música do cara. Também não é isso. Isso é só uma parte do big picture. O Música na Mochila é um programa sobre encontros musicais. É um programa entre duas pessoas que tem backgrounds musicais totalmente diferentes, escolas musicais diferentes e emoções musicais diferentes. E essas pessoas se juntam e tentam fazer alguma coisa juntas. E às vezes saem coisas incríveis. A maior lição que o Música na Mochila me deu foi de ter humildade musical. Por que no meu trabalho no estúdio na Gomus, fazendo campanhas de publicidade e gravando artistas, você tende a se tornar muito senhor de si ou até meio soberbo. Por que você já sabe o que tem que ser feito, como tem que gravar, qual é a harmonia que você vai colocar naquela música, como tem que mixar e tal. E aí você encontra um cara, tipo um indiano, que tem uma noção de estética totalmente diferente da sua. Por exemplo, o que é afinado pra você não é para ele, o que é belo para você é feio pra cara. E aí você tem que se juntar com o cara e fazer um som com ele. Com isso você meio que perde a noção dessa autoconfianca de falar “o meu jeito de tocar é o certo”. Não tem o jeito certo, tem só o seu jeito. E o jeito da outra pessoa é outro jeito. E aí vocês se juntando, vocês vão fazer alguma coisa que seja inédita e que seja até muito bonita. É uma história muito bonita porque vocês tem backgrounds tão diferentes que você consegue fazer uma coisa única com esse encontro.

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Se você pudesse voltar a um lugar que visitou qual seria e por quê?

Essa pergunta é covardia (risos). Eu gostaria de voltar a todos os lugares que eu fui! Quando você é mordido por esse bichinho de dar a volta ao mundo é tiro e queda: se você tem a oportunidade de viajar, você está indo. Seja por dois dias, três dias, uma semana, um ano, uma volta ao mundo ou um bate-e-volta num final de semana. Se você tem a oportunidade você vai.

Existem planos para uma quarta temporada do Música na Mochila? Ou algum projeto novo que envolva viagens?

A quarta temporada está em estudo agora. A gente está discutindo com o canal se é o momento de fazer uma outra temporada no mundo ou se a gente deveria partir para uma temporada no Brasil. Essa ideia também está tomando força dentro da Globosat. Então aguardem que logo teremos notícias.

E por último, além de música, o que não pode faltar nunca na sua mochila durante uma viagem?

Ah sei lá. Acho que o que não pode faltar é uma boa fé e uma boa disposição em conhecer mesmo os lugares para onde você vai viajar. Por que quando você sai para viajar é obvio que tem a preparação. Dizem até que a viagem já começa na preparação, né? Na hora que você está pensando para onde vai, pesquisando para onde vai, conversando com pessoas sobre quais lugares vale a pena ir ou não, você já está vivendo um pouco da viagem. Mas eu acho que o que não pode faltar é uma boa fé e uma boa disposição de estar aberto a descobrir. Por que na hora que você coloca o pé na estrada é óbvio que as coisas não acontencem do jeito como você planejou. Às vezes você chega num hostel, ou Airbnb ou hotel que você bookou e ele está cheio e não tem aonde dormir. Ou então você chega atrasado e perdeu o voo, trem ou ônibus e aí isso não pode derrubar o seu espírito e nem a sua viagem. Eu acho que tem que estar preparado para essas coisas acontecerem e, a partir daí, nascerem outras experiências. Às vezes de um ônibus perdido você encontra uma pessoa que te dá uma carona, e você faz uma amizade que te leva para outro lugar, e aí você tem experiências mais incríveis ainda por esse imponderável. Agora se você fechar a cara e achar que vai ficar triste e o mundo acabou você perde a sua viagem. Então aproveite o momento conforme a viagem vai te sugerindo mesmo.

O Música na Mochila está em reexibição toda quarta-feira às 19h no Canal Bis.

Fotos: Divulgação Música na Mochila

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